Por Flávia Albaine*
Setembro é o mês oficial de luta pela inclusão social da pessoa com deficiência, conhecido como Setembro Verde. A data é celebrada no dia 21, mas o tema deve debatido no decorrer de todo o ano.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2022, cerca de 18,6 milhões de pessoas no Brasil, com dois anos ou mais de idade, possuíam alguma forma de deficiência, o que representa 8,9% da população. Esse é um contingente heterogêneo de pessoas com características funcionais distintas que se manifestam em diferentes categorias de deficiência, como física, mental, intelectual, visual, auditiva e outras.
Essas dificuldades são provenientes do capacitismo presente na sociedade brasileira. Capacitismo é o movimento de preconceito e violência contra a pessoa com deficiência, baseado em estereótipos equivocados e ultrapassados de que são pessoas incapazes e nada têm a oferecer para a evolução social. Esse capacitismo configura-se enquanto um tipo de violência estrutural diante de algumas características, tais como a ocorrência sistemática e recorrente de situações de exclusão social, a invisibilização e a normalização desse tipo de conduta por parte da sociedade, e a ausência de políticas efetivas que invistam na prevenção e na conscientização.
Instituições sociais responsáveis pela regulação dos mais diversos aspectos da vida seguem uma lógica excludente, o que gera um ciclo de marginalização social: pessoas com deficiência que não conseguem ter acesso à educação inclusiva encontram dificuldades para a inserção no mercado de trabalho, e pessoas sem acesso ao mercado de trabalho enfrentam obstáculos para obterem uma moradia digna além de outros direitos fundamentais. Por isso, é urgente que esse ciclo seja interrompido através da eliminação de barreiras.
Barreiras são obstáculos enfrentados pelas pessoas com deficiência para o exercício de seus direitos e deveres em igualdade de condições com as demais. A pulverização das mesmas é consequência do capacitismo estrutural. Essas barreiras estão expressamente previstas na Lei Brasileira de Inclusão e podem ocorrer de diversas maneiras, tais como nos transportes, nas comunicações, nas construções arquitetônicas e outros. Dentro de tal universo, chama-se atenção especial para as barreiras atitudinais, que são as provenientes das atitudes humanas de preconceito e exclusão, acabando por gerar as demais e, portanto, sendo considerada o tipo de barreira mais grave.
De acordo com o modelo social de deficiência adotado tanto em âmbito interno quanto em âmbito internacional, a responsabilidade pela eliminação das barreiras é da sociedade, ou seja, de todos os atores públicos e privados nos exercícios dos seus papéis sociais. E para que haja a efetiva eliminação ou, ao menos, a amenização de tais barreiras, é necessário que haja investimento em educação, conscientização, prevenção, acessibilidade, políticas de empoderamento dessas pessoas e ações afirmativas para a colocação dessas pessoas nos diferentes espaços sociais.
Importante frisar, ainda, sobre a existência do capacitismo estrutural reflexivo, que é aquele que atinge os familiares de pessoas com deficiência, que por muitas vezes também são vítimas de preconceito. Trata-se de uma discriminação por associação, que é exatamente a discriminação contra pessoas com base em sua associação com uma pessoa com deficiência, atingindo principalmente mulheres em papéis de cuidadoras de pessoas com deficiência.
Para combater o capacitismo é necessário entender os seus modos de operação de forma que mudanças estruturais na sociedade sejam alcançadas. Obviamente que esse não é um objetivo simples, mas todos podem cumprir um papel importante nesse processo de acordo com as suas possibilidades e realidades. A luta contra o capacitismo estrutural é diária e os agentes precisam estar engajados para a criação de uma sociedade igualitária, justa e inclusiva.
* Flávia Albaine Farias da Costa. Defensora Pública do Estado de RO. Mestra em Direitos Humanos. Especialista nos Direitos das Pessoas com Deficiência. Integrante da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ANADEP.