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1984 é 2024 ou o Monstro vem aí: “Nem ao homem mais imparcial do mundo é permitido que se torne juiz em seu próprio caso”

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“Nem ao homem mais imparcial do mundo é permitido que se torne juiz em seu próprio caso”. (Pascal – filósofo, matemático, físico – 1623 – 1662).

No livro a Biblioteca dos Ditadores, o autor, Daniel Kalder, afirma que Francis Fukuyama escreveu a obra “O Fim da Historia e o último homem” inspirado na dissolução da União Soviética e do comunismo, argumentando que a humanidade havia atingido o ápice do desenvolvimento ideológico, e que nós não poderíamos ir além do triunfo do capitalismo e da democracia liberal.

O autor rebate Fukuyama afirmando que um monte de macacos falantes sem pelos, que só estão no planeta por causa de uma grande explosão que ocorreu há cerca de 13 bilhões de anos, deveriam esperar uma resolução tão comportada para sua existência na Terra. Isto é: ninguém se conformaria com a tese de que o Capitalismo é a solução menos ruim para o bando de macacos falantes que andam sobre a terra.

“Não foi o Fim da História. Não foi sequer o Fim da Literatura de Ditadores. Formas antigas persistiram, e surgiram inovações estranhas como os objetos impossíveis, ainda que hiper-reais, reunidos em praias nebulosas nas pinturas de Yves Tanguy (pintor surrealista francês)”.

Uma dessas formas estranhas e surreais brotou na Terra dos Papagaios. Um grupo de advogados ligados a partidos políticos com ideologia progressista de esquerda ascenderam aos cargos de Ministros do Supremo indicados por estes partidos e nomeados pelo Presidente que tem orgulho de ser comunista. No desempenho de seus cargos descobriram que eram realmente supremos, que tudo podiam e que lotados em seus cargos vitalícios sua vontade é a lei. A Constituição do país deveria ser interpretada conforme o entendimento de qualquer um deles.

E de ato em ato, com a Constituição individual de cada um debaixo do braço, foram se apossando do país.

Na distante terra do Irã, antes da assunção dos Supremos brasileiros da Terra dos Papagaios, o Aiatolá Khomeini afirmava ao povo de seu país que não tinha interesse em exercer diretamente o poder, mas apenas libertar o povo das garras do Xá Reza Pahlavi. Khomeini, que também era jurista e interpretava leis, afirmava em sermões e livros que quem deveria governar o Estado era um “incomparável especialista em leis”. E, surpresa, diz Daniel Kalder – o “incomparável especialista” em leis era ele mesmo!

Depois de um referendo em 1º de abril, o Irã foi declarado República Islâmica. O jurista Khomeini expandiu o conceito em seu livro “Islamic Government” e disse que ele estava consagrado na constituição.

Não apenas isso: ele foi proclamado Líder Supremo de forma vitalícia. 

Uma série de intelectuais famosos, entre eles, Michel Foucault, serviram de “idiotas úteis” e apoiaram a revolução de Khomeini, sabendo quase nada sobre o Islã ou Irã, ou sobre a hostilidade de Khomeini em relação aos “judeus” — ou sua tendência a dizer coisas como “vamos exportar nossa revolução pelo mundo”… até que os gritos de “não há deus exceto Alá”, e “Maomé é o mensageiro de Alá”, ecoem pelo mundo todo.

Segundo Kalder, Foucault escreveu entusiasmado sobre o que Khomeini representava, que aparentemente era “uma revolução do espírito em uma época desprovida de espírito”. Ele assegurou a seus leitores que “governo islâmico” não significava “um regime político em que o clero teria um papel de supervisão ou controle” e que “as minorias serão protegidas e livres para viver como quiserem, desde que não prejudiquem a maioria”, enquanto “entre homens e mulheres não haverá desigualdade em relação aos direitos, mas diferença, uma vez que há uma diferença natural”.

Na realidade, foi uma revolução que levaria gays como ele serem enforcados em guindastes ou forçados a passar por cirurgias de mudanças de sexo — mas é isso aí. A credulidade terminal de Foucault resultou em um fracasso intelectual completo a ponto de ser quase impressionante.

Consolidada a revolução de Khomeini, ele, como todo ditador, denunciou a constituição do Irã como um conceito ocidental e o seu novo Estado islâmico adquiriu uma constituição própria. Khomeini tomou emprestadas outras ideias do ocidente, como uma presidência e um parlamento eleitos e a separação de poderes — embora ele mantivesse a autoridade final como o Líder Supremo.

O aiatolá era um arauto de um mundo que estava sempre lutando para nascer em sangue e fogo — e a luta estava longe de terminar. Como um enviado divino que era, ele metia o bedelho em tudo, desde como o povo devia cozinhar tâmaras corretamente até influenciar no gosto literário do país.

Em 1989, ele condenou Salman Rushdie à morte por cometer um suposto ato de blasfêmia em um romance que o aiatolá não tinha lido e jamais leria.

Como cidadão britânico e muçulmano sunita — não-praticante —, Rushdie não estava sujeito de maneira alguma à jurisdição do líder supremo iraniano. No entanto, tumultos, assassinatos e terrorismo acompanharam o pedido fatwa5 pela morte de Rushdie, seguidos por declarações ambíguas e cheias de culpa de “bien pensants” ocidentais que deveriam ter tido um pouco de bom senso.

Khomeini havia demonstrado que as leis islâmicas sobre blasfêmia poderiam ser estendidas ao mundo inteiro e às comunidades que viviam por costumes e tradições inteiramente diferentes dos seus. O caso estabeleceu um precedente, e hoje todos estamos familiarizados com suas consequências deprimentes. Como no Irã, aquilo que era inimaginável rapidamente se tornou a realidade; todos nós vivemos à sombra do aiatolá.

Imitando Khomeini, o Supremo brasileiro também estendeu as regras de comportamento que vigoram dentro do estabelecimento onde trabalham para todo país e para o resto do mundo. Isto é, qualquer comportamento dos cidadãos que os Supremos achem inadequados, sejam onde for, estarão sob o tacão do tribunal, sujeito as leis que eles criaram ou que ainda vão criar. Depende da conveniência e a vontade de cada imã Supremo brasileiro.

Dessa forma temos hoje no país de Constituição Democrática e livre presos políticos, jornalistas processados e condenados, jornalistas e pessoas comuns presas, blogs e jornais censurados, milhares de pessoas incluídas um processo chamado de “Inquérito do Fim do Mundo”…

E dando mais um passo rumo à consolidação da tomada de poder o Supremo da Terra dos Papagaios publicou algo inacreditável neste ano de 2024. Leia:

– O Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou a abertura de uma licitação para contratar uma empresa que será encarregada de monitorar as redes sociais sobre conteúdos que envolvam a Corte. O valor do contrato, segundo o edital, é de 345.000 reais e prevê duração de um ano.

O Supremo quer saber tudo que se fala sobre ele nas redes sociais. A empresa que vencer a licitação fará um acompanhamento ininterrupto do Facebook, Twitter, Youtube, Instagram, Flickr, TikTok e Linkedin.

Os ministros vão receber relatórios com balanços diários, semanais e mensais, identificando os formadores de opinião que debateram assuntos relacionados ao Supremo, com análise de seu posicionamento e sua capacidade de repercussão. O trabalho deve conter ainda uma avaliação geral do impacto da mobilização em torno de temas relacionados à Corte, com avaliação de seus reflexos na opinião pública.

Além dos dados precisos sobre a imagem da Corte no universo digital, a ferramenta deve inibir a difusão de ameaças feitas aos ministros. Os dados colhidos, se for o caso, poderão ser compartilhados com a Polícia Federal. (Revista Veja – Por Ricardo Chapola – Publicado em 16 jun. 2024, 18h30).

“Criei um monstro”, afirmou certa vez o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987). Ele se referia ao Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de espionagem da ditadura militar brasileira que foi instituído em13 de junho de 1964.

Afirma à BBC News Brasil, o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre a criação do SNI:

– “No início, a preocupação deles era o monitoramento de inteligência com foco nos inimigos derrotados mas, com o passar do tempo, com a resistência à ditadura aumentando, as funções do SNI foram se ampliando e eles foram assumindo um caráter mais nacional e de coordenação de todo um sistema que eles chamavam de ‘comunidade de informações’.”

– “Sem prestar contas de nada e a ninguém, logo os desmandos foram sendo conhecidos e acobertados pelos dirigentes e governantes em cada período. Contrabando, chantagem, pressões, ameaças, atentados foram se sucedendo, sem que houvesse qualquer esclarecimento público das denúncias, apuração de fatos e identificação de responsáveis e demais envolvidos” diz o historiador.

– Podia investigar qualquer um que considerasse suspeito e de seus relatórios originavam-se decisões da cúpula do país. A operação do SNI envolvia a coleta de informações através de uma extensa rede de agentes e informantes espalhados por todo o país, além de parcerias com outros órgãos de segurança e inteligência, tanto civis quanto militares.

– O SNI tinha uma secretaria administrativa — que cuidava da burocracia —, uma política — que fazia a vigilância sobre atividades partidárias, de parlamentares e de suas famílias —, uma econômica — que acompanhava as empresas privadas e o fluxo de moeda estrangeira entrando e saindo do país —, uma ideológica — que acompanhava os potenciais subversivos — e uma psicossocial — que vigiava as igrejas, a imprensa, os sindicatos, as escolas e outros segmentos sociais.

– O jurista lembra que mais de 300 mil brasileiros foram fichados pelo SNI, muitos deles tendo sido presos, torturados e assassinados.

– “O SNI monitorava tudo e tentava controlar tudo”. (“Como funcionava o SNI, o ‘monstro’ da repressão criado pela ditadura militar há 60 anos” – Autor, Edison Veiga – para a BBC News Brasil).

Agora volte e releia a licitação do STF e compare com as informações sobre SNI. Veja em que se transformou o inocente órgão criado para fornecer elementos ao governo. Com informações sobre tudo e sobre todos, manipulou a sociedade brasileira. De inocente órgão de informações tornou-se um monstro.

Na distopia “1984”, George Orwell, discorre sobre um regime totalitário no qual a população é vigiada constantemente. O livro aborda temas como opressão, controle governamental, propaganda política e revisão histórica. É uma poderosa crítica ao poder de manipulação e uma advertência sobre os perigos do autoritarismo e da vigilância excessiva.

A narrativa revela um futuro distópico em que o Estado é extremamente autoritário e impõe um regime de vigilância sobre a sociedade. Nele há o Crime-ideia: Quando alguém questionava os documentos e era denunciado, dava-se o enquadramento em “crimideia”, o crime de ideia. Caberia à “Polícia do Pensamento” eliminar o indivíduo.

Aquele que fosse pego contrariando o Partido desaparecia e tinha todas as evidências de sua existência apagadas ou era torturado e reeducado para voltar à sociedade.

A opressão era física e mental. A patrulha do pensamento conduzida pela “Polícia das Ideias” fiscalizava até as relações amorosas das pessoas, porque isso era proibido. Não havia mais leis, apenas regras determinadas pelo Partido. O idioma do futuro era a novilíngua. Era pensada para travar o pensamento pela diminuição do vocabulário. Para criar um estado de confusão, a semântica foi distorcida. Alguma coisa parecida com a linguagem neutra dos elus. Nessa distopia o direito à privacidade era sempre considerado uma afronta ao Poder. 

– “Como um  homem  pode  afirmar  seu  poder  sobre  outro, Winston”?

Winston pensou. “Fazendo-o sofrer”, respondeu.

– “Exatamente. Fazendo-o sofrer. Obediência não basta. Se ele não sofrer, como você pode ter certeza de que obedecerá à sua vontade e não à dele próprio? Poder é infligir dor e humilhação. Poder é estraçalhar a mente humana e depois juntar outra vez os pedaços, dando-lhes a forma que você quiser.

E então? Está começando a ver que tipo de mundo estamos criando? Exatamente o oposto das tolas utopias hedonistas imaginadas pelos velhos reformadores. Um mundo de medo e traição e tormento, um mundo em que um pisoteia o outro, um mundo que se torna mais e não menos cruel à medida que evolui.

O progresso, no nosso mundo, será o progresso da dor. As velhas civilizações diziam basear-se no amor ou na justiça. A nossa se baseia no ódio. No nosso mundo as únicas emoções serão o medo, a ira, o triunfo e a autocomiseração. Tudo o mais será destruído — tudo.

Já estamos destruindo os hábitos de pensamento que sobreviveram da época anterior à Revolução. Cortamos os vínculos entre pai e filho, entre homem e homem, e entre homem e mulher. Ninguém mais se atreve a confiar na mulher ou no filho ou no amigo. Mas no futuro já não haverá esposas ou amigos, e as crianças serão separadas das mães no momento do nascimento, assim como se tiram os ovos das galinhas.  O instinto sexual será erradicado.  A procriação será uma formalidade anual, como a renovação do carnê de racionamento. Aboliremos o orgasmo. Nossos neurologistas já estão trabalhando nisso.

A única lealdade será para com o Partido. O único amor será o amor ao Grande Irmão. O único riso será o do triunfo sobre o inimigo derrotado. Não haverá arte, nem literatura, nem ciência. Quando formos onipotentes, já não precisaremos da ciência. Não haverá distinção entre beleza e feiura. Não haverá curiosidade, nem deleite com o processo da vida. Todos os prazeres serão eliminados. Mas sempre — não se esqueça disto, Winston —, sempre haverá a embriaguez do poder, crescendo constantemente e se tornando cada vez mais sutil.

Sempre, a cada momento, haverá a excitação da vitória, a sensação de pisotear o inimigo indefeso. Se você quer formar uma imagem do futuro, imagine uma bota pisoteando um rosto humano – para sempre”. (1984: Edição Especial – George Orwell, pág. 279/80).

A distopia 1984, de George Orwell, foi escrita em 1949 e previu de modo extraordinário a implantação de regimes opressores nos estados modernos: abuso, controle governamental, propaganda política enganosa, revisão histórica, tecnologia para manipular as mentes da população, a individualidade, a originalidade e a liberdade de expressão são considerados crimes e punidos severamente.

O SNI, serviço nacional de informações, foi criado em 1964, pelo General Golbery, e fez algo parecido ao que descreve Orwell em seu livro. O SNI transformou-se em um monstro, pois dispunha de informações sobre tudo e sobre todos, assim podia acusar, manipular e chantagear autoridades e pessoas comuns.

Khomeini, o Aiatolá-jurista que pregava não querer o poder apossou-se do Irã em 1979 e transformou o país, junto com seus asseclas, em uma República Islâmica. Tudo o que descreve Orwell em seu livro foi usado para a manutenção do poder no Irã dos Aiatolás e novas formas de repressão e tortura foram criadas. Os historiadores descrevem o regime de Khomeini como o “mais terrorista desde Hitler”.

Neste ano de 2024, os Supremos da Terra dos Papagaios anunciaram a abertura de uma licitação para contratar uma empresa que será encarregada de monitorar as redes sociais sobre conteúdos que envolvam a Corte. Aqui também aparece a advertência de Orwell.  O STF vai monitorar redes sociais e rastrear usuários. Os Supremos querem análises diárias de conteúdos de postagens na internet e até a identificação de usuário com base em georreferenciamento. O Supremo quer saber tudo que se fala sobre ele nas redes sociais. Os dados colhidos, se for o caso, poderão ser compartilhados com a Polícia Federal.

Prepare-se, um novo monstro vem aí.

A história de criar um aparato repressivo com ares de “uma agência de informação e inteligência” para impor vontades e teorias que o governante de plantão de qualquer tipo professa, nos mostrou como isso começa e como termina.

São 513 Deputados que representam o povo. São 81 Senadores que foram eleitos para fiscalizar, denunciar, julgar eventuais crimes cometidos pelos Ministros. São 53 processos contra os Ministros, segundo o site Poder 360, que estão na mesa do Presidente do Senado.

Os Ministros acusam, processam, julgam, chamam de terroristas e golpistas baderneiros que vandalizaram prédios públicos, aterrorizam o país e dão enormes penas a todos aqueles que eles consideram inimigos e por tabela invadem competências do legislativo e do executivo. Fazem tudo isso e justificam dizendo que estão salvando a democracia, salvando o processo eleitoral com urnas que não permitem recontagem de votos e que na terra inteira quase ninguém usa. Pergunto pela centésima vez:

– Por que os Ministros não são julgados?

Bom final de semana a todos.

Por Carlos Sampaio*

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Carlos Sampaio

*A opinião expressa neste artigo é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal brasildadosnews não tem responsabilidade legal pela “OPINIÃO” que é exclusiva do autor.

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