O acréscimo com índice incompatível aos princípios da proporcionalidade, moralidade e impessoalidade, ocasionou um efeito multiplicador nas despesas públicas do município de Pimenta Bueno. Foi na calada da noite.
Em um recente desdobramento judicial, o prefeito delegado de Pimenta Bueno foi condenado a devolver um aumento irregular que ele próprio concedeu ao seu salário. Este caso tem chamado a atenção da população local e gerado debates sobre a ética e a legalidade das ações dos gestores públicos.
Vinte e seis de dezembro de 2022. O dia seguinte às festas de Natal. Época em que as pessoas estão se confraternizando, muitas viajando, recebendo parentes e visitando seus entes queridos e não estão olhando o diário oficial. Uma pandemia havia sido vencida. Mas o que era pra ser apenas um dia de alegria e felicidade entre pessoas de bem, se transformou na oportunidade ideal para se criar uma lei inconstitucional e imoral, no “apagar das luzes” no município de Pimenta Bueno (RO).
Assim, no dia 26 de dezembro de 2022, o prefeito Arismar Araujo de Lima, de Pimenta Bueno, sancionou a lei 3046/2022, aprovando um reajuste em seu próprio salário, que passou de R$ 16.400,00 para R$ 28.663,97, quase que dobrando os custos do município com os proventos do prefeito.
Na canetada, na última semana do ano, literalmente na surdina, o prefeito aprovou seu próprio aumento de R$ 12.263,00 (Doze mil, duzentos e sessenta e três reais). Sem dúvida, foi um “presente de Natal” inesquecível para o prefeito Arismar Araújo de Lima e um autêntico “presente de grego” para a população de Pimenta Bueno.
A “volta”
Seis de maio de 2024. Um ano e meio depois, o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, sob a liderança do desembargador Miguel Monico Neto, por unanimidade acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 0800097-41.2024.8.22.0000, proposta pelo Ministério Público do Estado de Rondônia e anulou o reajuste proposto em benefício próprio pelo prefeito Arismar Araújo de Lima, com o agravante de que ele terá que devolver os recursos recebidos ilegalmente. E, como diz o ditado, esse mundo não dá voltas, mas literalmente “capota”.
Durante a sessão, o Procurador-Geral de Justiça do Estado de Rondônia, Ivanildo de Oliveira, reforçou a posição do Ministério Público sobre a ilegalidade da lei municipal. A decisão unânime do tribunal invalidou todos os efeitos da lei de forma retroativa, desde sua origem. O procurador do município de Pimenta Bueno, Thiago Roberto Graci Estevanato, defendeu de todas as formas a aplicação da lei que beneficiava o prefeito Arismar Araujo de Lima, mas não obteve sucesso.
Vícios da lei
O Ministério Público do Estado de Rondônia argumentou a inconstitucionalidade formal e material da norma, apontando violações às disposições da Constituição Estadual e da Constituição Federal. Ao detalhar o vício formal, o Ministério Público sustentou que a matéria é de iniciativa do Poder Legislativo Municipal, conforme prevê o artigo 110 da Carta Rondoniense e o artigo 29, incisos V e VI, da Constituição Federal.
De acordo com o MP, o reajuste intentado pelo prefeito Arismar Araújo de Lima constituiu flagrante aumento remuneratório ilegal ao agente político, pois a lei atacada conferiu um acréscimo com índice incompatível aos princípios da proporcionalidade, moralidade e impessoalidade, ocasionando um efeito multiplicador nas despesas públicas do município.
Outro ponto destacado pelo MP se refere à violação do princípio da anterioridade, que dispõe que os salários de agentes políticos devem ser fixados pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subsequente, ou seja, só passam a valer após o fim do mandato daqueles agentes públicos. Essa regra constitucional também foi ignorada no caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Rondônia. Os argumentos foram acolhidos pelo relator, desembargador Miguel Monico Neto, cujo voto foi seguido pelos demais membros do Tribunal.
Colaborou o jornalista Sandro José.
Fonte: Entrelinhas