Retorno de Trump: força, tensão com potências e ameaça à ordem global

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Especialista do CEUB aponta que primeiros 100 dias de governo mostram retorno ao isolacionismo, com potências e entraves com instituições internacionais

Os primeiros 100 dias do novo mandato de Donald Trump sinalizam uma movimentação profunda na política externa dos Estados Unidos, marcada pela força, por ações unilaterais e pela fragmentação de alianças históricas. Professor de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Luciano Muñoz analisa o cenário e afirma que o republicano reativa uma visão de mundo baseada na ‘Realpolitik’, em que o poder, especialmente o militar, se sobrepõe a valores democráticos e à cooperação internacional.

“Trump trabalha com lógica de que os Estados mais fortes devem prevalecer. E, sendo os EUA a maior potência militar e nuclear do planeta, ele acredita que pode agir à revelia de regras ou instituições internacionais”. De acordo com o professor, essa postura se diferencia radicalmente da adotada por Joe Biden, cujo governo se ancorava na defesa da democracia e dos direitos humanos.

A visão estratégica de Trump não se limita à força, ele propõe uma reorganização geopolítica com base em esferas de influência, algo que os Estados Unidos não adotavam há décadas. “É uma leitura que resgata um mundo tripartido, com áreas de domínio bem definidas. Trump chegou a declarar que iria retomar o controle do Canal do Panamá, anexar a Groenlândia e até incorporar o Canadá como 51º estado americano. São falas simbólicas, mas revelam disposição para o uso unilateral da força.”

De acordo com o especialista, os EUA parecem romper com décadas de construção diplomática e retornam a um modelo centrado na força e no nacionalismo. Para Muñoz, esse impacto ainda está em curso, mas os sinais são claros: “O mundo está assistindo a uma mudança de rota. E as consequências podem ser profundas para o equilíbrio internacional e para a própria imagem dos Estados Unidos”.

Ameaça internacional | Esse reposicionamento ameaça a legitimidade histórica da liderança americana no sistema global, construída desde 1945 com base em princípios democráticos e cooperação multilateral. A ruptura se manifesta de maneira concreta quando os EUA saíram do Conselho de Direitos Humanos da ONU, cortaram recursos da Organização Mundial da Saúde durante a pandemia e enfraqueceram a Organização Mundial do Comércio.

Impacto econômico | A hostilidade à China com elevação de tarifas de importação busca reverter o processo de desindustrialização americana, estimulando a produção interna e reduzindo a dependência de manufaturas chinesas. “O eleitorado dele é formado por homens brancos de meia-idade que perderam empregos em indústrias automotivas e de bens duráveis. Ele quer trazer essas fábricas de volta”, explica.

Política Tarifária | Países do Sul Global também sentem os reflexos. Segundo Luciano Munõz, o México foi atingido por novas tarifas usadas como instrumento para conter a imigração na fronteira. O Vietnã sofreu impactos semelhantes no setor têxtil. No Brasil, a elevação das tarifas sobre o aço e o etanol acendeu alertas, embora o governo ainda tente negociar sem recorrer a retaliações. “Os americanos precisam do aço brasileiro. Substituir esse fornecimento rapidamente seria inviável”, observa.

Guerra da Ucrânia | A tentativa de Trump de negociar um cessar-fogo na guerra da Ucrânia esbarrou na falta de compromisso do presidente russo, Vladimir Putin, ressalta o professor do CEUB. “Ele dizia que resolveria o conflito em 24 horas. Mas sua estratégia inicial foi pressionar a Ucrânia a aceitar os termos russos. Com o tempo, parece ter percebido que Putin não joga limpo e pode estar reconsiderando sua posição”, diz.

Oriente Médio | Outro ponto de tensão é o apoio irrestrito de Trump a Israel, ignorando o sofrimento da população palestina. Segundo Muñoz, ele chegou a sugerir a “transformação” da Faixa de Gaza em uma espécie de resort com cassinos e hotéis o que gerou repúdio internacional. “É um gesto emblemático da ausência de qualquer compromisso com os direitos humanos.”

Internamente, esse posicionamento fortalece a polarização política nos EUA. Para o docente do CEUB, progressistas, ligados ao Partido Democrata, defendem uma solução de dois Estados e os direitos da Palestina. Já os conservadores, liderados por Trump, apoiam as ações de Israel e reprimem manifestações pró-Palestina em universidades. “Há cortes de financiamento a instituições como Harvard e perseguição a professores que se posicionam a favor da causa palestina”.

Meio Ambiente | Os impactos também são significativos: Trump se opõe ao Acordo de Paris e à agenda climática. “Como ele é considerado um negacionista, a volta dele ao poder pode comprometer a COP 30, que será realizada no Brasil este ano. A agenda climática depende do financiamento dos países ricos, e os EUA são um dos maiores países poluidores do mundo”, finaliza Luciano Muñoz.

Assessoria

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